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Bruna Frascolla
October 18, 2024
© Photo: Public domain

Olavismo é uma pirâmide de marketing digital, que vende às pessoas a sensação de serem cultas e de terem consciência política, mas, em vez disso, transforma-as em presas de astrólogos e em histriônicos defensores do fusionismo.

Fora do Brasil, creio que apenas os portugueses estejam familiarizados com o nome de Olavo de Carvalho. Em tese, seria um grande filósofo, o filósofo brasileiro. Não obstante, ninguém sabe dizer qual é a filosofia desse pretenso filósofo.

Para estrangeiros, um jeito fácil, porém incompleto, de explicar quem é Olavo de Carvalho é dizer que se trata de um propagandista neocon, alinhado com os EUA, Israel, ou o assim chamado “Ocidente”. É como se fosse um Buckley muito chulo, escatológico. Um apóstolo do fusionismo, a ideologia que visa a circunscrever a moral conservadora ao âmbito privado, ao tempo que defende o liberalismo na esfera pública, em especial na economia. É a ideologia da National Review, e eu duvido que não tenha dedo da CIA, FBI ou Departamento de Estado (o próprio Buckley era agente da CIA).

Outra similaridade entre Olavo e Buckley é ambos se declararem católicos – sendo o liberalismo, por ambos defendido, proibido pela Igreja. Buckley era descendente de irlandeses e de família católica; católicos de origem irlandesa sempre foram considerados um problema sociocultural pelas elites liberais dos EUA. Logo, é possível que esse carismático agente da CIA tenha sido escalado para mudar a imagem do católico irlandês, tornando a minoria mais aberta ao liberalismo econômico e transformando o catolicismo numa coisa mais estética que doutrinária. Olavo promoveu tanto o fusionismo quanto essa transformação do catolicismo numa estética. Mas numa coisa ele difere radicalmente de Buckley: num país de maioria católica, a opção por um astrólogo muçulmano para posar de católico conservador não é nada óbvia.

Não obstante, Olavo é tal personagem. Antes ele era jornalista. Teve um surto psicótico, quebrou a redação do jornal e foi internado num hospício. Exposto a muito Jung no hospício, tornou-se astrólogo, aderiu à seita “tradicionalista” (ou antes perenialista) do suíço Fritjof Schuon e converteu-se ao islã.

O direitista médio não sabe disso. Caso informado, dirá que já sabia que Olavo fez coisas erradas na juventude… aderiu até ao comunismo! Mas astrólogo, não. Isso é invenção dos jornalistas, que são todos comunistas.

Existe a persona pública de Olavo construída na internet durante o século XXI, e o Olavo místico mais ou menos conhecido por aqueles que lhe dedicaram algum tempo.

1. As ideias mais famosas

Em geral, aqueles que cantam os seus feitos dizem que ele era um anticomunista que desmascarou o gramscismo, o Foro de São Paulo e o teatro das tesouras. Sua teoria mais famosa é um palpite político não muito original, um enlatado à la Breitbart com um leve tempero tropical. Ao enlatado do marxismo cultural, Olavo acrescentou o bicho papão do gramscismo: os comunistas visariam à revolução por meio da cultura, tornando todos insensivelmente comunistas, sem que fosse necessário um golpe. Como consequência disso, Olavo insistia que era necessário, primeiro, criar uma hegemonia cultural de direita, para só depois partir para a seara político-partidária. Dado que o próprio Olavo vendia livros e cursos que prometiam formação cultural, essa não deixa de ser uma tese que favorecia seus próprios interesses pecuniários: nada de eleger representantes enquanto o Brasil inteiro não for pagante do seu Curso Online de Filosofia, o COF.

O Foro de São Paulo seria um clube secreto de conspiradores que pretendiam transformar a América Latina numa plêiade de países comunistas. De fato, o Foro de São Paulo existe e reúne partidos e movimentos de esquerda da América Latina. No entanto, só com uma licença poética se poderia dizer que o Foro de São Paulo é secreto, querendo dizer com isso que não tem press release na grande mídia. O site do Foro pode ser acessado clicando aqui e suas atas são públicas.

O teatro das tesouras é uma variação do tema do Uniparty dos EUA: o establishment é um só, e os dois grandes partidos apenas fingem serem diferentes. Em vez de Republicanos e Democratas, tínhamos o PT de Lula e o PSDB de FHC, que fizeram, ambos, governos neoliberais. FHC passou anos sendo financiado pela Fundação Ford, que é uma fachada da CIA. No entanto, Olavo de Carvalho dizia que ambos os partidos e políticos eram comunistas. Resta saber por que o PSDB não frequentava o Foro de São Paulo…

Nada disso é filosofia. Assim, o fato de Olavo de Carvalho ter conquistado a reputação de filósofo não deixa de ser um feito curioso que clama por explicação – e ela está na face menos conhecida do exótico guru.

2. As fases do camaleão

Olavo de Carvalho era jornalista desde 1967. Na época, não era necessária nenhuma formação para exercer de forma regular essa profissão. É possível que essa fosse a única profissão no mundo das letras que estava ao alcance de Olavo, já que ele largou a escola ainda adolescente. Ele é internado num hospício em 1976, e em 1979 ele cria a Escola Júpiter, de astrologia, com a ajuda da filha de um grande empresário. Atravessa a década de 1980 como um místico nada conservador, ingressando em seitas e praticando até poligamia – chegou a ter quatro “esposas” na condição de “muçulmano” perenialista.

Na década de 1990, porém, Olavo de Carvalho foi alçado a intelectual público, com direito a colunas na Folha de S. Paulo e n’O Globo (os dois principais jornais do país), além de ser entrevistado pelo prestigioso programa Roda Viva. Ele se tornara, pois, um intelectual público. O que ele fazia era espinafrar a altamente espinafrável elite universitária brasileira. No entanto, nessa época ele já havia começado a dar cursos de “filosofia” que eram pura mística; e a lisergia do seu pensamento já deveria estar clara para o grande público, pois chegou a espinafrar os cientistas, na Folha de S. Paulo, por não acreditarem na eficácia da dança da chuva dos índios. Isso foi em 1998.

Não há como saber ao certo por que ele foi escolhido para isso. No entanto, não posso deixar de notar que seu papel de polemista erudito e zombeteiro era exercido pelo diplomata e cientista político José Guilherme Merquior, morto em 1991 com apenas 49 anos.

Na década de 2000, o intelectual público Olavo de Carvalho muda de país e de meio de comunicação. Em 2005, demitido pel’O Globo, passa a residir nos EUA, e em 2006 começa a recrutar, pela internet, jovens brasileiros para seu novo curso online, o COF, que duraria até a sua morte em 2022. Nessa fase, ele se apresentava como um rebelde da internet, proscrito pela grande mídia e pela academia. Essa foi, disparada, a sua fase de maior fama.

Assim, na década de 1980, Olavo ministrava cursos de astrologia. Da década de 1990 em diante, ele se apresenta como professor de filosofia. No Brasil, essa “filosofia” consistia em mística; a partir da sua mudança para os EUA, a “filosofia” passou a consistir, sobretudo, em invectivas contra Lula, o PT, os comunistas reais ou imaginários.

Um místico e um anticomunista hidrófobo são duas coisas diferentes, ainda que Olavo unisse os dois predicados. No entanto, podemos distinguir dois tipos de pessoas influenciadas por Olavo de Carvalho: os que se pretendem especialmente cultos e os que simplesmente xingam a tudo e todos de comunista na internet e fora dela. Ou seja: há aqueles que se expuseram ao conteúdo dos cursos de Olavo e há aqueles que apenas assistiram a cortes no Youtube sobre política partidária.

3. A cultura como misticismo e negócio

Embora esse camaleão tenha passado de astrólogo poligâmico a filósofo católico conservador, pode-se apontar uma constante no seu pensamento, ao menos desde 1985: a ideia de que o Brasil é um país sem cultura, e a cultura precisa beber de uma certa Tradição acessível por meio religiões e ciências tradicionais, sendo a astrologia a mais importante de todas as ciências. 1985 é o ano da publicação do livreto Astros e Símbolos, pela editora Nova Stella. É a obra de Olavo mais antiga à qual tive acesso, e essa ideia encontra-se lá presente e explícita.

Essa concepção fornece, por si só, um modelo de negócios. Afinal, a religião não é verdadeira em si mesma; em vez disso, é um meio, entre vários, para alcançar a Verdade a que o guru tem acesso, e que é essencial aos indivíduos bem sucedidos. Ir para a Igreja é grátis, mas lá o fiel não tem a segurança de encontrar a Verdade, pois não há religião verdadeira: tanto faz judaísmo, islamismo, cristianismo ou dança da chuva; todos são veículos para alcançar essa Tradição dos perenialistas. Para ter acesso, o fiel precisaria pagar a um sábio versado em “ciências tradicionais” – astrologia, alquimia, metafísica – para guiar-lhe o espírito. O acesso às ciências também costuma ser grátis em bibliotecas, escolas e universidades; mas nelas não há tais ciências que merecem o nome de ocultas. Seja em matéria de religião ou de ciência, é necessário pagar ao guru.

Essa faceta do olavismo apenas se tornou menos visível, mas nunca se extinguiu. Por meio do ICLS, dois filhos de Olavo (Tales e Gugu) dão continuidade ao modelo de negócios na forma que ele tinha nos anos 1990 – e são caso de polícia, como mostra o caso da jovem com problemas mentais que rompeu com a família, fugiu para se tornar a quarta esposa de Tales e foi resgatada pela PF no Paraguai, na casa de Gugu. Nessa seita, Gugu dá orientações a fiéis de todas as religiões, chegando mesmo a inventar um padrão de missa (a missa do “trigo limpo”) que deveria ser exigido pelos católicos como condição para frequentá-la. Mesmo que a Igreja seja contra a astrologia no mínimo desde os tempos de S. Agostinho, o que vale é a autoridade do guru. Astrologia é ciência, e há um punhado de escritos teológicos de santos para deturpar e dizer que tais e tais santos reconheciam a possibilidade de uma astrologia verdadeira, ou vedavam somente seu uso divinatório. Por óbvio, tais práticas só puderam prosperar num ambiente de muita carência educacional.

4. Aposta na ignorância

Em 1985, Olavo descrevia assim as presas de seitas: “Tais organizações, que servem para desviar e estiolar em esforços vãos e sem sentido o generoso impulso de reação à sociedade moderna surgido com a ‘contracultura’, recrutam seus membros sobre tudo entre jovens mais ou menos letrados, que chegaram a alcançar algum grau de informação sobre as doutrinas tradicionais, mas que não tiveram o tempo, os meios, a paciência ou a sabedoria de integrar-se numa religião autêntica. Uma imagem gasta levaria a comparar esses jovens a ovelhinhas novas que se desgarram do rebanho, explorando um terreno desconhecido e atraente, até que venha o lobo. Mas esta imagem é falha para descrever o caso brasileiro, pois entre nós as ovelhinhas nunca tiveram rebanho: nasceram desgarradas, e ao ouvirem dizer que havia rebanhos onde poderiam integrar-se, saíram buscando a esmo, até que veio o lobo capturá-las” (p. 9-10).

A desgraça brasileira decorreria das fragilidades da Igreja no país: “O Brasil só foi ou só é o ‘maior país católico do mundo’ na linguagem oca das estatísticas, que não podem evidentemente incluir em suas ponderações a qualidade do catolicismo do entrevistado, nem muito menos suas ligações mais ou menos secretas ou discretas com feiticeiros e bruxas, cuja influência nas eleições é no entanto tão notória perante a consciência popular quanto ausente das tabelas do IBGE” (p. 11-12). Assim, vendo o Brasil deseducado, e atribuindo isso às vulnerabilidades da Igreja Católica, o lobo refestelou-se e ensinou os jovens rebeldes a irem publicamente à missa e secretamente ao astrólogo.

Pois bem, como se trata de um evidente modelo de negócios, não tardou a ser replicado. Em 2006, como vimos, Olavo lançou o COF. O COF pretendia formar a elite intelectual do país: no início o aluno pagava para ter a certeza de que, depois de 5 anos, ele constituiria a nata da intelectualidade brasileira. Isso seria muito fácil porque o Brasil seria terra arrasada (mas, por pior que o Brasil estivesse, também não era esse deserto todo).

No curso, Olavo tinha um rol de autores grande o bastante para dificultar que os pupilos tivessem tempo de ler outras coisas; e, ao mesmo tempo, o rol era restrito o bastante para que os pupilos ficassem presos no fusionismo e/ou no perenialismo.

Como, bem ou mal, Olavo tinha uma temática consistente, além de teorias místicas e políticas, seu modelo de negócios sofreu uma mutação com o Instagram e pôde ser replicado por vários pupilos: de repente, surgiram os coaches que vendem cursos de vida virtuosa, de “doze camadas da personalidade” (baseadas nos doze signos do zodíaco), de política (desmascarando gramscistas embaixo da cama) etc. O coach de Instagram que vende cursos, e o comunicador do Youtube, que vive de visualização e vende cursos também, são o legado do olavismo.

Assim, podemos dizer que o olavismo é uma pirâmide de marketing digital, que vende às pessoas a sensação de serem cultas e de terem consciência política, mas, em vez disso, transforma-as em presas de astrólogos e em histriônicos defensores do fusionismo.

O que é o olavismo?

Olavismo é uma pirâmide de marketing digital, que vende às pessoas a sensação de serem cultas e de terem consciência política, mas, em vez disso, transforma-as em presas de astrólogos e em histriônicos defensores do fusionismo.

Fora do Brasil, creio que apenas os portugueses estejam familiarizados com o nome de Olavo de Carvalho. Em tese, seria um grande filósofo, o filósofo brasileiro. Não obstante, ninguém sabe dizer qual é a filosofia desse pretenso filósofo.

Para estrangeiros, um jeito fácil, porém incompleto, de explicar quem é Olavo de Carvalho é dizer que se trata de um propagandista neocon, alinhado com os EUA, Israel, ou o assim chamado “Ocidente”. É como se fosse um Buckley muito chulo, escatológico. Um apóstolo do fusionismo, a ideologia que visa a circunscrever a moral conservadora ao âmbito privado, ao tempo que defende o liberalismo na esfera pública, em especial na economia. É a ideologia da National Review, e eu duvido que não tenha dedo da CIA, FBI ou Departamento de Estado (o próprio Buckley era agente da CIA).

Outra similaridade entre Olavo e Buckley é ambos se declararem católicos – sendo o liberalismo, por ambos defendido, proibido pela Igreja. Buckley era descendente de irlandeses e de família católica; católicos de origem irlandesa sempre foram considerados um problema sociocultural pelas elites liberais dos EUA. Logo, é possível que esse carismático agente da CIA tenha sido escalado para mudar a imagem do católico irlandês, tornando a minoria mais aberta ao liberalismo econômico e transformando o catolicismo numa coisa mais estética que doutrinária. Olavo promoveu tanto o fusionismo quanto essa transformação do catolicismo numa estética. Mas numa coisa ele difere radicalmente de Buckley: num país de maioria católica, a opção por um astrólogo muçulmano para posar de católico conservador não é nada óbvia.

Não obstante, Olavo é tal personagem. Antes ele era jornalista. Teve um surto psicótico, quebrou a redação do jornal e foi internado num hospício. Exposto a muito Jung no hospício, tornou-se astrólogo, aderiu à seita “tradicionalista” (ou antes perenialista) do suíço Fritjof Schuon e converteu-se ao islã.

O direitista médio não sabe disso. Caso informado, dirá que já sabia que Olavo fez coisas erradas na juventude… aderiu até ao comunismo! Mas astrólogo, não. Isso é invenção dos jornalistas, que são todos comunistas.

Existe a persona pública de Olavo construída na internet durante o século XXI, e o Olavo místico mais ou menos conhecido por aqueles que lhe dedicaram algum tempo.

1. As ideias mais famosas

Em geral, aqueles que cantam os seus feitos dizem que ele era um anticomunista que desmascarou o gramscismo, o Foro de São Paulo e o teatro das tesouras. Sua teoria mais famosa é um palpite político não muito original, um enlatado à la Breitbart com um leve tempero tropical. Ao enlatado do marxismo cultural, Olavo acrescentou o bicho papão do gramscismo: os comunistas visariam à revolução por meio da cultura, tornando todos insensivelmente comunistas, sem que fosse necessário um golpe. Como consequência disso, Olavo insistia que era necessário, primeiro, criar uma hegemonia cultural de direita, para só depois partir para a seara político-partidária. Dado que o próprio Olavo vendia livros e cursos que prometiam formação cultural, essa não deixa de ser uma tese que favorecia seus próprios interesses pecuniários: nada de eleger representantes enquanto o Brasil inteiro não for pagante do seu Curso Online de Filosofia, o COF.

O Foro de São Paulo seria um clube secreto de conspiradores que pretendiam transformar a América Latina numa plêiade de países comunistas. De fato, o Foro de São Paulo existe e reúne partidos e movimentos de esquerda da América Latina. No entanto, só com uma licença poética se poderia dizer que o Foro de São Paulo é secreto, querendo dizer com isso que não tem press release na grande mídia. O site do Foro pode ser acessado clicando aqui e suas atas são públicas.

O teatro das tesouras é uma variação do tema do Uniparty dos EUA: o establishment é um só, e os dois grandes partidos apenas fingem serem diferentes. Em vez de Republicanos e Democratas, tínhamos o PT de Lula e o PSDB de FHC, que fizeram, ambos, governos neoliberais. FHC passou anos sendo financiado pela Fundação Ford, que é uma fachada da CIA. No entanto, Olavo de Carvalho dizia que ambos os partidos e políticos eram comunistas. Resta saber por que o PSDB não frequentava o Foro de São Paulo…

Nada disso é filosofia. Assim, o fato de Olavo de Carvalho ter conquistado a reputação de filósofo não deixa de ser um feito curioso que clama por explicação – e ela está na face menos conhecida do exótico guru.

2. As fases do camaleão

Olavo de Carvalho era jornalista desde 1967. Na época, não era necessária nenhuma formação para exercer de forma regular essa profissão. É possível que essa fosse a única profissão no mundo das letras que estava ao alcance de Olavo, já que ele largou a escola ainda adolescente. Ele é internado num hospício em 1976, e em 1979 ele cria a Escola Júpiter, de astrologia, com a ajuda da filha de um grande empresário. Atravessa a década de 1980 como um místico nada conservador, ingressando em seitas e praticando até poligamia – chegou a ter quatro “esposas” na condição de “muçulmano” perenialista.

Na década de 1990, porém, Olavo de Carvalho foi alçado a intelectual público, com direito a colunas na Folha de S. Paulo e n’O Globo (os dois principais jornais do país), além de ser entrevistado pelo prestigioso programa Roda Viva. Ele se tornara, pois, um intelectual público. O que ele fazia era espinafrar a altamente espinafrável elite universitária brasileira. No entanto, nessa época ele já havia começado a dar cursos de “filosofia” que eram pura mística; e a lisergia do seu pensamento já deveria estar clara para o grande público, pois chegou a espinafrar os cientistas, na Folha de S. Paulo, por não acreditarem na eficácia da dança da chuva dos índios. Isso foi em 1998.

Não há como saber ao certo por que ele foi escolhido para isso. No entanto, não posso deixar de notar que seu papel de polemista erudito e zombeteiro era exercido pelo diplomata e cientista político José Guilherme Merquior, morto em 1991 com apenas 49 anos.

Na década de 2000, o intelectual público Olavo de Carvalho muda de país e de meio de comunicação. Em 2005, demitido pel’O Globo, passa a residir nos EUA, e em 2006 começa a recrutar, pela internet, jovens brasileiros para seu novo curso online, o COF, que duraria até a sua morte em 2022. Nessa fase, ele se apresentava como um rebelde da internet, proscrito pela grande mídia e pela academia. Essa foi, disparada, a sua fase de maior fama.

Assim, na década de 1980, Olavo ministrava cursos de astrologia. Da década de 1990 em diante, ele se apresenta como professor de filosofia. No Brasil, essa “filosofia” consistia em mística; a partir da sua mudança para os EUA, a “filosofia” passou a consistir, sobretudo, em invectivas contra Lula, o PT, os comunistas reais ou imaginários.

Um místico e um anticomunista hidrófobo são duas coisas diferentes, ainda que Olavo unisse os dois predicados. No entanto, podemos distinguir dois tipos de pessoas influenciadas por Olavo de Carvalho: os que se pretendem especialmente cultos e os que simplesmente xingam a tudo e todos de comunista na internet e fora dela. Ou seja: há aqueles que se expuseram ao conteúdo dos cursos de Olavo e há aqueles que apenas assistiram a cortes no Youtube sobre política partidária.

3. A cultura como misticismo e negócio

Embora esse camaleão tenha passado de astrólogo poligâmico a filósofo católico conservador, pode-se apontar uma constante no seu pensamento, ao menos desde 1985: a ideia de que o Brasil é um país sem cultura, e a cultura precisa beber de uma certa Tradição acessível por meio religiões e ciências tradicionais, sendo a astrologia a mais importante de todas as ciências. 1985 é o ano da publicação do livreto Astros e Símbolos, pela editora Nova Stella. É a obra de Olavo mais antiga à qual tive acesso, e essa ideia encontra-se lá presente e explícita.

Essa concepção fornece, por si só, um modelo de negócios. Afinal, a religião não é verdadeira em si mesma; em vez disso, é um meio, entre vários, para alcançar a Verdade a que o guru tem acesso, e que é essencial aos indivíduos bem sucedidos. Ir para a Igreja é grátis, mas lá o fiel não tem a segurança de encontrar a Verdade, pois não há religião verdadeira: tanto faz judaísmo, islamismo, cristianismo ou dança da chuva; todos são veículos para alcançar essa Tradição dos perenialistas. Para ter acesso, o fiel precisaria pagar a um sábio versado em “ciências tradicionais” – astrologia, alquimia, metafísica – para guiar-lhe o espírito. O acesso às ciências também costuma ser grátis em bibliotecas, escolas e universidades; mas nelas não há tais ciências que merecem o nome de ocultas. Seja em matéria de religião ou de ciência, é necessário pagar ao guru.

Essa faceta do olavismo apenas se tornou menos visível, mas nunca se extinguiu. Por meio do ICLS, dois filhos de Olavo (Tales e Gugu) dão continuidade ao modelo de negócios na forma que ele tinha nos anos 1990 – e são caso de polícia, como mostra o caso da jovem com problemas mentais que rompeu com a família, fugiu para se tornar a quarta esposa de Tales e foi resgatada pela PF no Paraguai, na casa de Gugu. Nessa seita, Gugu dá orientações a fiéis de todas as religiões, chegando mesmo a inventar um padrão de missa (a missa do “trigo limpo”) que deveria ser exigido pelos católicos como condição para frequentá-la. Mesmo que a Igreja seja contra a astrologia no mínimo desde os tempos de S. Agostinho, o que vale é a autoridade do guru. Astrologia é ciência, e há um punhado de escritos teológicos de santos para deturpar e dizer que tais e tais santos reconheciam a possibilidade de uma astrologia verdadeira, ou vedavam somente seu uso divinatório. Por óbvio, tais práticas só puderam prosperar num ambiente de muita carência educacional.

4. Aposta na ignorância

Em 1985, Olavo descrevia assim as presas de seitas: “Tais organizações, que servem para desviar e estiolar em esforços vãos e sem sentido o generoso impulso de reação à sociedade moderna surgido com a ‘contracultura’, recrutam seus membros sobre tudo entre jovens mais ou menos letrados, que chegaram a alcançar algum grau de informação sobre as doutrinas tradicionais, mas que não tiveram o tempo, os meios, a paciência ou a sabedoria de integrar-se numa religião autêntica. Uma imagem gasta levaria a comparar esses jovens a ovelhinhas novas que se desgarram do rebanho, explorando um terreno desconhecido e atraente, até que venha o lobo. Mas esta imagem é falha para descrever o caso brasileiro, pois entre nós as ovelhinhas nunca tiveram rebanho: nasceram desgarradas, e ao ouvirem dizer que havia rebanhos onde poderiam integrar-se, saíram buscando a esmo, até que veio o lobo capturá-las” (p. 9-10).

A desgraça brasileira decorreria das fragilidades da Igreja no país: “O Brasil só foi ou só é o ‘maior país católico do mundo’ na linguagem oca das estatísticas, que não podem evidentemente incluir em suas ponderações a qualidade do catolicismo do entrevistado, nem muito menos suas ligações mais ou menos secretas ou discretas com feiticeiros e bruxas, cuja influência nas eleições é no entanto tão notória perante a consciência popular quanto ausente das tabelas do IBGE” (p. 11-12). Assim, vendo o Brasil deseducado, e atribuindo isso às vulnerabilidades da Igreja Católica, o lobo refestelou-se e ensinou os jovens rebeldes a irem publicamente à missa e secretamente ao astrólogo.

Pois bem, como se trata de um evidente modelo de negócios, não tardou a ser replicado. Em 2006, como vimos, Olavo lançou o COF. O COF pretendia formar a elite intelectual do país: no início o aluno pagava para ter a certeza de que, depois de 5 anos, ele constituiria a nata da intelectualidade brasileira. Isso seria muito fácil porque o Brasil seria terra arrasada (mas, por pior que o Brasil estivesse, também não era esse deserto todo).

No curso, Olavo tinha um rol de autores grande o bastante para dificultar que os pupilos tivessem tempo de ler outras coisas; e, ao mesmo tempo, o rol era restrito o bastante para que os pupilos ficassem presos no fusionismo e/ou no perenialismo.

Como, bem ou mal, Olavo tinha uma temática consistente, além de teorias místicas e políticas, seu modelo de negócios sofreu uma mutação com o Instagram e pôde ser replicado por vários pupilos: de repente, surgiram os coaches que vendem cursos de vida virtuosa, de “doze camadas da personalidade” (baseadas nos doze signos do zodíaco), de política (desmascarando gramscistas embaixo da cama) etc. O coach de Instagram que vende cursos, e o comunicador do Youtube, que vive de visualização e vende cursos também, são o legado do olavismo.

Assim, podemos dizer que o olavismo é uma pirâmide de marketing digital, que vende às pessoas a sensação de serem cultas e de terem consciência política, mas, em vez disso, transforma-as em presas de astrólogos e em histriônicos defensores do fusionismo.

Olavismo é uma pirâmide de marketing digital, que vende às pessoas a sensação de serem cultas e de terem consciência política, mas, em vez disso, transforma-as em presas de astrólogos e em histriônicos defensores do fusionismo.

Fora do Brasil, creio que apenas os portugueses estejam familiarizados com o nome de Olavo de Carvalho. Em tese, seria um grande filósofo, o filósofo brasileiro. Não obstante, ninguém sabe dizer qual é a filosofia desse pretenso filósofo.

Para estrangeiros, um jeito fácil, porém incompleto, de explicar quem é Olavo de Carvalho é dizer que se trata de um propagandista neocon, alinhado com os EUA, Israel, ou o assim chamado “Ocidente”. É como se fosse um Buckley muito chulo, escatológico. Um apóstolo do fusionismo, a ideologia que visa a circunscrever a moral conservadora ao âmbito privado, ao tempo que defende o liberalismo na esfera pública, em especial na economia. É a ideologia da National Review, e eu duvido que não tenha dedo da CIA, FBI ou Departamento de Estado (o próprio Buckley era agente da CIA).

Outra similaridade entre Olavo e Buckley é ambos se declararem católicos – sendo o liberalismo, por ambos defendido, proibido pela Igreja. Buckley era descendente de irlandeses e de família católica; católicos de origem irlandesa sempre foram considerados um problema sociocultural pelas elites liberais dos EUA. Logo, é possível que esse carismático agente da CIA tenha sido escalado para mudar a imagem do católico irlandês, tornando a minoria mais aberta ao liberalismo econômico e transformando o catolicismo numa coisa mais estética que doutrinária. Olavo promoveu tanto o fusionismo quanto essa transformação do catolicismo numa estética. Mas numa coisa ele difere radicalmente de Buckley: num país de maioria católica, a opção por um astrólogo muçulmano para posar de católico conservador não é nada óbvia.

Não obstante, Olavo é tal personagem. Antes ele era jornalista. Teve um surto psicótico, quebrou a redação do jornal e foi internado num hospício. Exposto a muito Jung no hospício, tornou-se astrólogo, aderiu à seita “tradicionalista” (ou antes perenialista) do suíço Fritjof Schuon e converteu-se ao islã.

O direitista médio não sabe disso. Caso informado, dirá que já sabia que Olavo fez coisas erradas na juventude… aderiu até ao comunismo! Mas astrólogo, não. Isso é invenção dos jornalistas, que são todos comunistas.

Existe a persona pública de Olavo construída na internet durante o século XXI, e o Olavo místico mais ou menos conhecido por aqueles que lhe dedicaram algum tempo.

1. As ideias mais famosas

Em geral, aqueles que cantam os seus feitos dizem que ele era um anticomunista que desmascarou o gramscismo, o Foro de São Paulo e o teatro das tesouras. Sua teoria mais famosa é um palpite político não muito original, um enlatado à la Breitbart com um leve tempero tropical. Ao enlatado do marxismo cultural, Olavo acrescentou o bicho papão do gramscismo: os comunistas visariam à revolução por meio da cultura, tornando todos insensivelmente comunistas, sem que fosse necessário um golpe. Como consequência disso, Olavo insistia que era necessário, primeiro, criar uma hegemonia cultural de direita, para só depois partir para a seara político-partidária. Dado que o próprio Olavo vendia livros e cursos que prometiam formação cultural, essa não deixa de ser uma tese que favorecia seus próprios interesses pecuniários: nada de eleger representantes enquanto o Brasil inteiro não for pagante do seu Curso Online de Filosofia, o COF.

O Foro de São Paulo seria um clube secreto de conspiradores que pretendiam transformar a América Latina numa plêiade de países comunistas. De fato, o Foro de São Paulo existe e reúne partidos e movimentos de esquerda da América Latina. No entanto, só com uma licença poética se poderia dizer que o Foro de São Paulo é secreto, querendo dizer com isso que não tem press release na grande mídia. O site do Foro pode ser acessado clicando aqui e suas atas são públicas.

O teatro das tesouras é uma variação do tema do Uniparty dos EUA: o establishment é um só, e os dois grandes partidos apenas fingem serem diferentes. Em vez de Republicanos e Democratas, tínhamos o PT de Lula e o PSDB de FHC, que fizeram, ambos, governos neoliberais. FHC passou anos sendo financiado pela Fundação Ford, que é uma fachada da CIA. No entanto, Olavo de Carvalho dizia que ambos os partidos e políticos eram comunistas. Resta saber por que o PSDB não frequentava o Foro de São Paulo…

Nada disso é filosofia. Assim, o fato de Olavo de Carvalho ter conquistado a reputação de filósofo não deixa de ser um feito curioso que clama por explicação – e ela está na face menos conhecida do exótico guru.

2. As fases do camaleão

Olavo de Carvalho era jornalista desde 1967. Na época, não era necessária nenhuma formação para exercer de forma regular essa profissão. É possível que essa fosse a única profissão no mundo das letras que estava ao alcance de Olavo, já que ele largou a escola ainda adolescente. Ele é internado num hospício em 1976, e em 1979 ele cria a Escola Júpiter, de astrologia, com a ajuda da filha de um grande empresário. Atravessa a década de 1980 como um místico nada conservador, ingressando em seitas e praticando até poligamia – chegou a ter quatro “esposas” na condição de “muçulmano” perenialista.

Na década de 1990, porém, Olavo de Carvalho foi alçado a intelectual público, com direito a colunas na Folha de S. Paulo e n’O Globo (os dois principais jornais do país), além de ser entrevistado pelo prestigioso programa Roda Viva. Ele se tornara, pois, um intelectual público. O que ele fazia era espinafrar a altamente espinafrável elite universitária brasileira. No entanto, nessa época ele já havia começado a dar cursos de “filosofia” que eram pura mística; e a lisergia do seu pensamento já deveria estar clara para o grande público, pois chegou a espinafrar os cientistas, na Folha de S. Paulo, por não acreditarem na eficácia da dança da chuva dos índios. Isso foi em 1998.

Não há como saber ao certo por que ele foi escolhido para isso. No entanto, não posso deixar de notar que seu papel de polemista erudito e zombeteiro era exercido pelo diplomata e cientista político José Guilherme Merquior, morto em 1991 com apenas 49 anos.

Na década de 2000, o intelectual público Olavo de Carvalho muda de país e de meio de comunicação. Em 2005, demitido pel’O Globo, passa a residir nos EUA, e em 2006 começa a recrutar, pela internet, jovens brasileiros para seu novo curso online, o COF, que duraria até a sua morte em 2022. Nessa fase, ele se apresentava como um rebelde da internet, proscrito pela grande mídia e pela academia. Essa foi, disparada, a sua fase de maior fama.

Assim, na década de 1980, Olavo ministrava cursos de astrologia. Da década de 1990 em diante, ele se apresenta como professor de filosofia. No Brasil, essa “filosofia” consistia em mística; a partir da sua mudança para os EUA, a “filosofia” passou a consistir, sobretudo, em invectivas contra Lula, o PT, os comunistas reais ou imaginários.

Um místico e um anticomunista hidrófobo são duas coisas diferentes, ainda que Olavo unisse os dois predicados. No entanto, podemos distinguir dois tipos de pessoas influenciadas por Olavo de Carvalho: os que se pretendem especialmente cultos e os que simplesmente xingam a tudo e todos de comunista na internet e fora dela. Ou seja: há aqueles que se expuseram ao conteúdo dos cursos de Olavo e há aqueles que apenas assistiram a cortes no Youtube sobre política partidária.

3. A cultura como misticismo e negócio

Embora esse camaleão tenha passado de astrólogo poligâmico a filósofo católico conservador, pode-se apontar uma constante no seu pensamento, ao menos desde 1985: a ideia de que o Brasil é um país sem cultura, e a cultura precisa beber de uma certa Tradição acessível por meio religiões e ciências tradicionais, sendo a astrologia a mais importante de todas as ciências. 1985 é o ano da publicação do livreto Astros e Símbolos, pela editora Nova Stella. É a obra de Olavo mais antiga à qual tive acesso, e essa ideia encontra-se lá presente e explícita.

Essa concepção fornece, por si só, um modelo de negócios. Afinal, a religião não é verdadeira em si mesma; em vez disso, é um meio, entre vários, para alcançar a Verdade a que o guru tem acesso, e que é essencial aos indivíduos bem sucedidos. Ir para a Igreja é grátis, mas lá o fiel não tem a segurança de encontrar a Verdade, pois não há religião verdadeira: tanto faz judaísmo, islamismo, cristianismo ou dança da chuva; todos são veículos para alcançar essa Tradição dos perenialistas. Para ter acesso, o fiel precisaria pagar a um sábio versado em “ciências tradicionais” – astrologia, alquimia, metafísica – para guiar-lhe o espírito. O acesso às ciências também costuma ser grátis em bibliotecas, escolas e universidades; mas nelas não há tais ciências que merecem o nome de ocultas. Seja em matéria de religião ou de ciência, é necessário pagar ao guru.

Essa faceta do olavismo apenas se tornou menos visível, mas nunca se extinguiu. Por meio do ICLS, dois filhos de Olavo (Tales e Gugu) dão continuidade ao modelo de negócios na forma que ele tinha nos anos 1990 – e são caso de polícia, como mostra o caso da jovem com problemas mentais que rompeu com a família, fugiu para se tornar a quarta esposa de Tales e foi resgatada pela PF no Paraguai, na casa de Gugu. Nessa seita, Gugu dá orientações a fiéis de todas as religiões, chegando mesmo a inventar um padrão de missa (a missa do “trigo limpo”) que deveria ser exigido pelos católicos como condição para frequentá-la. Mesmo que a Igreja seja contra a astrologia no mínimo desde os tempos de S. Agostinho, o que vale é a autoridade do guru. Astrologia é ciência, e há um punhado de escritos teológicos de santos para deturpar e dizer que tais e tais santos reconheciam a possibilidade de uma astrologia verdadeira, ou vedavam somente seu uso divinatório. Por óbvio, tais práticas só puderam prosperar num ambiente de muita carência educacional.

4. Aposta na ignorância

Em 1985, Olavo descrevia assim as presas de seitas: “Tais organizações, que servem para desviar e estiolar em esforços vãos e sem sentido o generoso impulso de reação à sociedade moderna surgido com a ‘contracultura’, recrutam seus membros sobre tudo entre jovens mais ou menos letrados, que chegaram a alcançar algum grau de informação sobre as doutrinas tradicionais, mas que não tiveram o tempo, os meios, a paciência ou a sabedoria de integrar-se numa religião autêntica. Uma imagem gasta levaria a comparar esses jovens a ovelhinhas novas que se desgarram do rebanho, explorando um terreno desconhecido e atraente, até que venha o lobo. Mas esta imagem é falha para descrever o caso brasileiro, pois entre nós as ovelhinhas nunca tiveram rebanho: nasceram desgarradas, e ao ouvirem dizer que havia rebanhos onde poderiam integrar-se, saíram buscando a esmo, até que veio o lobo capturá-las” (p. 9-10).

A desgraça brasileira decorreria das fragilidades da Igreja no país: “O Brasil só foi ou só é o ‘maior país católico do mundo’ na linguagem oca das estatísticas, que não podem evidentemente incluir em suas ponderações a qualidade do catolicismo do entrevistado, nem muito menos suas ligações mais ou menos secretas ou discretas com feiticeiros e bruxas, cuja influência nas eleições é no entanto tão notória perante a consciência popular quanto ausente das tabelas do IBGE” (p. 11-12). Assim, vendo o Brasil deseducado, e atribuindo isso às vulnerabilidades da Igreja Católica, o lobo refestelou-se e ensinou os jovens rebeldes a irem publicamente à missa e secretamente ao astrólogo.

Pois bem, como se trata de um evidente modelo de negócios, não tardou a ser replicado. Em 2006, como vimos, Olavo lançou o COF. O COF pretendia formar a elite intelectual do país: no início o aluno pagava para ter a certeza de que, depois de 5 anos, ele constituiria a nata da intelectualidade brasileira. Isso seria muito fácil porque o Brasil seria terra arrasada (mas, por pior que o Brasil estivesse, também não era esse deserto todo).

No curso, Olavo tinha um rol de autores grande o bastante para dificultar que os pupilos tivessem tempo de ler outras coisas; e, ao mesmo tempo, o rol era restrito o bastante para que os pupilos ficassem presos no fusionismo e/ou no perenialismo.

Como, bem ou mal, Olavo tinha uma temática consistente, além de teorias místicas e políticas, seu modelo de negócios sofreu uma mutação com o Instagram e pôde ser replicado por vários pupilos: de repente, surgiram os coaches que vendem cursos de vida virtuosa, de “doze camadas da personalidade” (baseadas nos doze signos do zodíaco), de política (desmascarando gramscistas embaixo da cama) etc. O coach de Instagram que vende cursos, e o comunicador do Youtube, que vive de visualização e vende cursos também, são o legado do olavismo.

Assim, podemos dizer que o olavismo é uma pirâmide de marketing digital, que vende às pessoas a sensação de serem cultas e de terem consciência política, mas, em vez disso, transforma-as em presas de astrólogos e em histriônicos defensores do fusionismo.

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